sábado, 19 de março de 2011

MARVIN

Meu pai não tinha educação
Ainda me lembro
Era um grande coração
Ganhava a vida
Com muito suor
E mesmo assim
Não podia ser pior
Pouco dinheiro
Prá poder pagar
Todas as contas
E despesas do lar...

Mas Deus quis
Vê-lo no chão
Com as mãos
Levantadas pr'o céu
Implorando perdão
Chorei!
Meu pai disse:
"Boa sorte"
Com a mão no meu ombro
Em seu leito de morte
E disse:
"Marvin, agora é só você
E não vai adiantar
Chorar vai me fazer sofrer"...

E três dias depois de morrer
Meu pai, eu queria saber
Mas não botava
Nem os pés na escola
Mamãe lembrava
Disso a toda hora...

E todo dia
Antes do sol sair
Eu trabalhava
Sem me distrair
As vezes acho que
Não vai dar pé
Eu queria fugir
Mas onde eu estiver
Eu sei muito bem
O que ele quis dizer
Meu pai, eu me lembro
Não me deixa esquecer
Ele disse:
"Marvin, a vida é prá valer
Eu fiz o meu melhor
E o seu destino
Eu sei de cor"...

-"E então um dia
Uma forte chuva veio
E acabou com o trabalho
De um ano inteiro
E aos treze anos
De idade eu sentia
Todo o peso do mundo
Em minhas costas
Eu queria jogar
Mas perdi a aposta"...

Trabalhava feito
Um burro nos campos
Só via carne
Se roubasse um frango
Meu pai cuidava
De toda a família
Sem perceber
Segui a mesma trilha
E toda noite minha mãe orava
Deus!
Era em nome da fome
Que eu roubava
Dez anos passaram
Cresceram meus irmãos
E os anjos levaram
Minha mãe pelas mãos
Chorei!
Meu pai disse:
"Boa sorte"
Com a mão no meu ombro
Em seu leito de morte
E disse:

"Marvin, agora é só você
E não vai adiantar
Chorar vai me fazer sofrer"
"Marvin, a vida é prá valer
Eu fiz o meu melhor
E o seu destino eu sei de cor"...

Nando Reis e Sergio Britto depositaram nessa música a história de milhões de brasileiros que são obrigados a deixarem as escolas para sustentar a família. Muitos menores de idade sentem o peso de uma família inteira que vive na miséria, tentando diariamente lograr o alimento incerto, pois o que se consegue hoje não fornece a garantia de se repetir no amanhã. No campo e na cidade, nas ruas e no roçado e nos lixões da vida a realidade é sempre a mesma, o trabalho de crianças que busca complementar a renda doméstica. O verso “Mas não botava nem os pés na escola” descreve com precisão a evasão escolar dos meninos trabalhadores, esses que sacrificam o seu conhecimento e a possibilidade de uma realidade melhor para o imediatismo da fome. No entanto, o mais repugnante é perceber que essa mesma visão se repete por gerações, junto da inércia da sociedade e dos administradores eleitos por ela, e quem é a sociedade? Somos nós, nós que permitimos tal barbaridade acontecer por décadas sem remorso ou qualquer compaixão, nós que somos cúmplices sem dor na consciência e sem insônia, nós que permitimos a repetência do verso “o seu futuro eu sei de cor”, que representa o caráter perpétuo da miséria e do trabalho infantil tal como foi evidenciado pela música, assim é a sociedade mundial e é assim a realidade diária de muitos marvins.

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